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Livros usados

Muiraquitã

         CAPÍTULO 1

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           O investigador Andrei Lammert desde que foi designado para o Distrito Policial de São Cristóvão, Rio de Janeiro, estava muito ansioso para ter um caso onde pudesse trabalhar do início ao fim para elucidá-lo. Ele considerava a si mesmo um agente com muita habilidade de observação e grande intuição para identificar, encontrar provas, ouvir e interrogar as pessoas de forma a desvendar os crimes. E desde a sua chegada naquele distrito, ele havia sido designado apenas para trabalhos sem nenhuma expressão e mesmo assim como colaborador; por isso, quando o delegado auxiliar o chamou à sua sala, informando-o que tinha um caso exclusivo, ele ficou atônito. 

          Na sala, o delegado passou às mãos de Andrei uma pasta com alguns documentos e lhe disse: 

          - Lammert furtaram um artefato indígena do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Parece que não é uma peça valiosa e somente uma entre outras semelhantes foi subtraída. Não há sinais de arrombamento e as câmeras de segurança que estavam funcionando normalmente, nada registraram. Você será o responsável por essas investigações de campo e me fará relatórios detalhados sobre tudo o que descobrir. 

          - Doutor agradeço a confiança e fique tranquilo porque vou elucidar este caso! 

          Ao sair da sala do delegado seu rosto expressava frustação. E assim pensou: Droga! Com tantos casos interessantes nesta cidade, ele me passa o furto de um cacareco de índio para eu investigar! 

          Depois de murmurar muito até chegar em sua mesa, refletiu e chegou à conclusão de que era melhor aquele caso do que nada. Assim sendo, passou a ler os documentos que haviam na pasta; não demorou muito, levantou determinado a descobrir o autor daquele crime e recuperar o objeto furtado; então, saiu para colher depoimentos e examinar o local. 

          Andrei Lammert chegou ao Palácio de São Cristóvão na Quinta da Boa Vista, local do Museu Nacional. O prédio imponente de estilo neoclássico ainda guarda o glamour da residência da família real, pois somente em 1892 é que o museu foi para lá transferido e atualmente integra também a estrutura acadêmica da UFRJ.  

          Ele foi diretamente para a administração e logo lhe designaram uma funcionária para o acompanhar e dar-lhe as informações necessárias. 

          O museu que possui um acervo de 20 milhões de peças, é a mais antiga instituição científica deste país e o maior de história natural e antropológica da América Latina. 

          Na sala de paredes clara, num harmonioso contraste com o assoalho de madeira, onde estava a peça furtada, ele analisou cada detalhe, inclusive o armário branco que guardava o artefato. 

          Depois deste exame minucioso do local do crime, ele pediu que a funcionária que o acompanhava lhe desse informações sobre o objeto do furto. Ela passou contar-lhe que: 

          - A peça que foi levada é um muiraquitã. Este é o nome dado pelos indígenas a pequenos amuletos que eram esculpidos normalmente em pedras verdes, como nefritas, jadeítas e amazonitas e possuem a forma de animais, sendo mais comuns os com formatos de sapos, assim como o que foi furtado. Existe uma lenda que envolve o muiraquitã, que é derivada da lenda das amazonas e segundo ela, o artefato era oferecido como um precioso amuleto pelas guerreiras Icamiabas, cujo significado é mulheres sem marido, aos guerreiros Guacaris que visitavam anualmente a sua taba, na região do Rio Nhamundá. Os verdadeiros muiraquitãs são filhos da Lua, pois são retirados do fundo de um lago encantado chamado jaci uaruá, que significa: Espelho da Lua. Consagrado à lua pelas Icamiabas, era neste lago que elas preparavam a festa para a divindade mãe do muiraquitã, a Iaci, responsável por fornecer o talismã. Anualmente durante essa festa as Icamiabas, recebiam os guerreiros Guacaris, com os quais mantinham relações sexuais como se fossem seus maridos. Com fim de procriação. Depois do acasalamento, quando era meia-noite, elas mergulhavam e traziam nas mãos um barro verde, ainda mole, davam a forma que desejavam, mas com o contato com o ar, iam endurecendo, até tornarem-se pedra e assim, presenteavam seus amados com o talismã dotado de mágicos poderes para trazer-lhes sorte e felicidade. As filhas que nascessem destes encontros eram cuidadas por elas, para tornarem-se Icamiabas e os filhos eram entregues aos pais. Por tudo isto, o Muiraquitã é considerado até hoje, um amuleto, objeto sagrado, pelo fato de acreditarem que possui-lo, traz felicidade, sorte e cura para várias enfermidades. 

          Andrei depois do que ouviu perguntou: 

          - Qual a origem desta peça? 

          - Óbidos, município do Pará. 

          - Este era o único muiraquitã que tinha no museu? 

          - Não. Temos mais quatro muiraquitãs. 

          - Todos estavam juntos? 

          - Todos. Mas só levaram um! 

          Lammert fez perguntas quanto a segurança, funcionários e outras trivialidades do ofício. Quando esgotou sua investigação no local, retornou ao distrito policial. 

          Diante do computador para preparar seu primeiro relatório sobre este caso, muitas eram as questões a serem respondidas e nenhuma prova ou indício ele possuía. 

          Ele apertava os olhos com uma das mãos, enquanto a outra batia na mesa, como quem clica uma tecla imaginária repetidas vezes e o pensamento assim voava: O furto deste cacareco de índio é muito mais intrigante do que eu imaginava... não há nenhum vestígio, nada nas filmagens, nem testemunhas... o objeto não possui um valor expressivo de mercado... que interesse alguém poderia ter por esta peça específica? Porquê foi levado somente um e não todos? Será que o levaram por ser considerado por alguns loucos um amuleto? E aquele papo de lenda, que coisa mais infantil e tola.... Como foi furtado sem deixar nenhuma pista? Até parece que foi feito por um ninja... 

          Grande inquietação passou a tomar conta de Andrei, pois seu primeiro caso parecia ser algo sem solução. Sua única esperança para ter algo para trabalhar era apenas o laudo sobre digitais, no entanto sua intuição apontava para uma maior probabilidade de vir negativo. 

          Após concluir seu relatório com um desânimo de dar dó, foi para a pensão em que morava, ali mesmo em São Cristóvão para descansar. 

          Desde sua nomeação no concurso para investigador, quando Lammert deixou Votuporanga, interior de São Paulo, para morar nesta pensão, com seu jeito sociável, divertido e comunicativo dava-se muito bem com todos funcionários e moradores, sem, no entanto, nunca mencionar que era policial. 

          Como sempre fazia, foi direto para a recepção perguntar ao Jurandir se havia alguma correspondência. Com a negativa do porteiro, dirigiu-se ao seu quarto. Enquanto subia as escadas deparou se com um rapaz que descia, cumprimentou-o com um boa noite como sempre procedia, e o moço respondeu apenas meneando a cabeça positivamente. 

          Ao fechar a porta do quarto, a mente fotográfica de Andrei relembrava que o rapaz que cruzou seu caminho na escada, possuía traços indígenas e levava consigo uma mochila. Ele pensou: Será que este índio pode dar-me alguma informação que ajude no caso do muiraquitã? E desceu rapidamente atrás do jovem, sem encontrá-lo. 

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CAPÍTULO 2

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          Perguntou ao porteiro sobre o moço: 

          - Jurandir você viu para onde foi o índio que passou a pouco por aqui? 

          - Sei não Andrei.  Ele fechou a conta, entregou a chave e foi-se embora por este mundo de meu Deus. 

          - Desde quando ele está hospedado aqui? Indagou-o Lammert. 

          - Chegou ontem cedinho. Sei, porque ele acordou Roberlei, que tava loco da vida com este índio que deve ter acordado junto com as galinhas. 

          - De bagagem ele só possuía uma mochila? 

          - Foi só o que vi. 

          - Ele deu alguma informação sobre o que veio fazer aqui no Rio, nesta passagem tão rápida? 

          - Disse não. Ele não abriu a boca desde a sua chegada. 

          - Você sabe se ele passou a noite toda aqui na pensão? 

          - Peraí... ele saiu era umas 11 horas..., mas não sei a que hora ele voltou. Se o Roberlei não tava cochilando, talvez ele possa responder. Oh cara folgado este Roberlei!  

          Andrei agradeceu e voltou correndo para seu quarto e começou a pesquisar. Lembrou que a origem do muiraquitã era de Óbidos no Pará. Como o rapaz vestia roupas simples e surradas pelo tempo, verificou se havia algum ônibus com partida do Rio para Óbidos, mas nada encontrou. Tentou para Santarém a cidade grande mais próxima, sem também obter resultado positivo. Nova tentativa foi pesquisar para Belém. Por fim constatou que havia um ônibus que sairia às 20h30 do Rio de Janeiro com previsão de chegada em Belém, após dois dias, às 7h20. Olhou no relógio e eram 20h04, saiu correndo, já na calçada não demorou muito e apareceu um taxi. 

          - Voa! Pois preciso chegar em 10 minutos no Terminal Rodoviário Novo Rio. Disse ao taxista. 

          Mas ao virarem na Rua Benedito Otoni o trânsito estava parado, devido um acidente com um motociclista. Desesperado Lammert quando percebeu que não fluiria, pagou a corrida, desceu e saiu correndo pela rua.  

          Na rodoviária a angústia do policial aumentou quando viu no relógio do saguão que eram 20h28. O movimento era grande dificultando sua locomoção. Buscou nos painéis descobrir a plataforma que desejava. Um leve sorriso surgiu em seus lábios, quando localizou que o ônibus da Itapemirim com destino á Belém sairia da plataforma C 14.  

Parecia um louco correndo e se esbarrando naquele mar de pessoas. Quando por fim chegou na plataforma, encontrou a vaga vazia. O Itapemirim já havia saída com destino á Belém. 

          Frustrado Andrei retornou para a pousada e para as pesquisas. Não encontrou voo para Óbidos, mas para Santarém.                Entretanto não sabia para onde o índio iria depois da capital paraense, então buscou resultados para Belém. Encontrou um voo com saída para o dia seguinte às 10h45, com paradas em São Paulo e Brasília, chegaria no outro dia às 1h50. Teria um tempo para descansar e encontrar o indígena às 7h20 quando ele descesse na rodoviária. 

Entrou em contato com o delegado, contou tudo o que aconteceu, falou da sua intuição e também do seu desejo de ir atrás do índio em Belém.  

          O delegado disse que ele não poderia atravessar o país atrás de uma pessoa, que sequer há indícios de que ele seja o autor daquele furto. Havia somente uma coincidência de um índio ter se hospedado numa pensão próxima do local do crime. Haveria muitas despesas e além do mais era a folga do investigador no dia seguinte. 

Lammert pensou por um instante e disse: 

          - Doutor, mudando de assunto, posso emendar a minha folga com uma semana de licença? 

          - Para quê? 

          - Preciso ver minha mãe e resolver algumas coisas em Votuporanga. 

          - Pode, mas não vá aprontar nada nestes dias! Ouviu Andrei? 

          - Sim senhor. Pode deixar doutor. 

          Desligou o celular e o investigador imediatamente fez sua reserva do voo para Belém. 

          Enquanto fazia sua mala pensava: este é o meu primeiro caso e não posso deixar que o furto deste cacareco indígena fique sem solução! Não há nenhuma pista, somente a coincidência de eu ter cruzado o caminho deste índio. Hospedado por menos de 48 horas, perto do museu. Vou gastar parte das minhas economias, mas vou seguir minha intuição! 

          No dia seguinte embarcou rumo a sua aventura amazônica. 

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CAPÍTULO 3

​

          Depois dos voos e paradas, finalmente ele chegou em Belém. 

          Andrei já estava na plataforma, quando o jovem índio desembarcou. Aproximou-se do rapaz, que aparentava uns dezoito anos, identificou-se como policial e pediu que ele mostrasse o que trazia na mochila. 

          Sem aparentar nenhum desconforto e com muita calma e naturalidade o índio olhou fixamente nos olhos de Lammert e disse: 

          - O que você quer está comigo. Mas tenho uma missão a cumprir! E nada e nem ninguém irá me impedir de cumpri-la, muito menos você! 

          Andrei irritou-se e pôs a mão na arma e deu voz de prisão ao moço. Que com a mesma naturalidade e sem esboçar resistência, ofereceu a mochila para ser revistada e respondeu: 

          - Veja com seus próprios olhos, o que queres não está aí. Me acompanhe e quando o objetivo da minha missão estiver concluído, você terá o muiraquitã de volta e aí sim poderá me prender. 

          A atitude e firmeza daquele jovem índio desconcertou Lammert. Que diante da forma como ele falava e agia, o investigador resolveu dar-lhe crédito e perguntou: 

          - Qual o seu nome? 

          - Endi. 

          - Endi? O que significa Endi? 

          - Luminosidade. 

          - Endi que missão é esta? 

          - Sou filho de Rudá guerreiro descendente da tribo dos Guacaris. Meu pai está prestes a morrer e eu preciso levar o muiraquitã dele, para que fique bom, minha mãe volte e eles possam viver sua história de amor! 

          - História de amor? Muiraquitã dele? Não estou entendendo nada. Conte-me tudo detalhadamente. 

          - Inaiê minha mãe é uma guerreira descendente da Tribo das Icamiabas. Na noite em que fui concebido ela deu a Rudá o muiraquitã. Rudá significa deus do amor, Inaiê significa águia solitária. Desde aquela noite em que se conheceram brotou um amor que fugiu ao controle dos dois, um encontro que seria apenas para procriação, uniu a alma deles para sempre. Este muiraquitã sempre traz minha mãe de volta, estes encontros são secretos, a vida dos meus pais corre risco, caso venham a ser descobertos. Não importa onde estejamos, ela sempre nos encontra por causa do muiraquitã. Mas num dia a tribo que havia nos acolhido foi invadida pelo seu povo e saqueada, e o muiraquitã de Rudá roubado! Desde esse dia Inaiê não tem como nos localizar. Sem o amor de Inaiê a tristeza tomou conta do coração de Rudá. Ele está gravemente enfermo. Desde quando a aldeia foi saqueada, estamos atrás deste muiraquitã, pois Rudá está pouco a pouco morrendo por amor. E agora não lhe resta muitos dias de vida. Quando descobrimos que o muiraquitã estava no Museu Nacional do Rio de Janeiro, vim busca-lo imediatamente. Rudá ficou na floresta, numa tribo amiga, pois não tem mais forças, caso contrário ele mesmo viria buscar o que é dele. 

          A expressão de Andrei era de perplexidade e incredulidade! Depois de refletir um pouco tentando assimilar aquelas informações, perguntou: 

          - E o que pode acontecer quando o muiraquitã for entregue a Rudá? 

          - A saúde dele será restabelecida e trará Inaiê de volta. Mas desta vez Rudá não deixará mais Inaiê voltar para a mata sem ele.  

          - Isto tudo é loucura! Você está me dizendo que a lenda do muiraquitã é verdadeira? Não posso acreditar nisto! 

          - Siga-me e verás com seus próprios olhos! Quando a saúde de Rudá for restabelecida e Inaiê voltar, o muiraquitã pode ficar com você para devolvê-lo ao museu e prender Endi. 

          Apesar da maluquice de tudo aquilo, Lammert via muita sinceridade e segurança no que Endi falava. E prosseguiu: 

          - Apesar de ainda achar insano tudo isto o que você me contou, eu vou segui-lo. Posso até me arrepender muito do que estou fazendo, mas não sei o porquê, eu acredito em você Endi. Contudo saiba que ao cumprir sua missão, levarei o muiraquitã de volta e você preso. 

          Endi concordou meneando a cabeça positivamente e respondeu: 

          - Então vamos, pois já perdemos muito tempo aqui! Vamos pegar uma embarcação que seguirá de Belém até Manaus. Este barco fará algumas paradas, mas num determinado trecho do rio amazonas, uma canoa irá encontra-se conosco e nos levará até a margem, de lá prosseguiremos por dentro da mata até chegarmos na aldeia que acolheu eu e Rudá. 

Andrei ficou surpreso com o tamanho do Amazon Star, pois imaginava que seria um barco pequeno, estranhou também que no seu interior havia inúmeras redes espalhadas, os passageiros inclusive as crianças ficavam à vontade, alguns descalços e a maioria de chinelo. 

          Curioso Lammert perguntou a Endi: 

          - Como você pegou o muiraquitã sem deixar nenhuma pista? Não fosse minha sorte e intuição ao lhe ver na pensão, e resolver segui-lo, este caso jamais seria resolvido! 

          Esta foi a primeira vez que o jovem índio sorriu, e assim respondeu: 

          - Sou um guerreiro descendente da Tribo Guacaris. Meu pai Rudá me passou toda nossa tradição, conhecimentos e isto foi fundamental para eu retirar o muiraquitã sem deixar pista. Ademais o próprio muiraquitã, contribuiu para ser recuperado. Mas como o fiz, jamais poderei lhe contar. É segredo, não exija isto de mim! 

          - Além dos conhecimentos indígenas, você se expressa muito bem e observei que tem muitos conhecimentos do mundo civilizado.  

          - Apesar da vida seminômade que tivemos, Rudá nunca deixou de propiciar as condições necessárias para eu estudar, inclusive viajar para algumas cidades grandes. Gosto muito de estudar e ler. Isto contribuiu muito para meus conhecimentos. Inclusive nesta viagem li muito, mas o que mais gostei foi deste conto. Tirou um livreto da mochila e entregou para Andrei. Leia você vai gostar. 

          Lammert leu o título: Meraki. E respondeu: 

          - Lerei sim! 

          Ver o pôr do sol refletido no rio amazonas, que parece um mar de água doce, as comunidades ribeirinhas, a floresta amazônica, tudo isto encantava os olhos de Lammert, que por algum momento esqueceu da louca aventura romântica em que havia se metido. 

          O encantamento com a viagem teve uma pausa, quando Endi aproximou-se dele e disse que em breve iriam desembarcar. 

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CAPÍTULO 4

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          O Amazon Star parou no meio do rio e uma canoa com um índio a bordo, aguardava os dois moços. Na margem, outro índio os recebeu e seguiram caminho por dentro da mata fechada. Quando a noite estava para cair completamente sobre a floresta, abriram um espaço na mata e ali organizaram-se para passar a noite. No dia seguinte logo cedinho prosseguiram viagem. 

          Durante a longa caminhada Endi mostrava e explicava alguns segredos da floresta para Andrei. E até pegadas de onça ele viu, entretanto, vislumbrado ele ficou quando chegaram na aldeia. O murumuxaua (cacique) veio recebe-los e falou algumas coisas com Endi sobre o visitante inesperado, numa linguagem desconhecida para o investigador. Depois de ouvir as explicações, o murumuxaua recebeu Andrei com cordialidade.  

          Imediatamente foram para a oca onde Rudá estava e ao adentrarem encontraram um índio deitado, dormindo. Endi abaixou-se ao lado da cama e o chamou: 

          - Pai acorde! Voltei! 

          Rudá abriu os olhos e pôs a mão no rosto de Endi acariciando-o e respondeu com a voz fraca: 

          - Filho tenho muito orgulho de você! Ver Endi novamente já encheu meu coração de alegria. Se realizou ou não sua missão, não importa, você já provou ser um grande guerreiro! 

          Endi abriu a camisa, soltou uma faixa atada a seu corpo e pegou o muiraquitã e colocou-o na mão de seu pai. Somente agora foi que Lammert viu pela primeira vez a peça verde, e admirou-se dela realmente não estar na mochila de Endi, como imaginava. Rudá segurou forte o amuleto fechou os olhos por um tempo, para só depois abrir a mão e vê-lo.  

          - Endi, guerreiro maior! Tenha vida longa e vitórias em todas suas lutas. Descendência numerosa e poderosa será a sua! Paz de espírito será sua mãe conselheira. Gratidão eterna é o que há no meu peito filho. Você devolveu a vida para seu pai e agora é só aguardarmos a volta de Inaiê, sua mãe, para nunca mais nos separamos. 

          O pajé que era o índio mais velho, pediu para que todos se retirassem de forma que Rudá pudesse se recuperar. Em seguida ele disse algo para Endi, que transmitiu a Andrei: 

          - Vamos fazer uma boa refeição e depois seguiremos para a oca central, a tribo quer lhe receber!  

          - Me receber? Respondeu Lammert espantado. 

          Depois de saborearem uma culinária típica indígena, Endi o conduziu a uma grande oca que ficava no centro da aldeia, lá sentaram num banco, juntamente com mais dois casais brancos, enquanto um grupo de índios em casais cantavam e dançavam vestidos tipicamente, com pinturas especiais no rosto. Os homens usavam cocares e tocavam flautas, enquanto um outro índio num dos cantos da oca, tocava um tambor. Depois uma nova dança só com homens e instrumentos em formato de cone, cuja dança e música deste ritual significa: comunidade visitante seja bem-vinda. E outras danças foram apresentadas e seus significados todos explicados aos visitantes por um dos índios que se comunicava muito bem. Por fim o índio agradeceu a presença da comunidade visitante e na última dança os índios convidavam as mulheres visitantes para dançar e as índias também convidavam os homens visitantes para dançar. E Andrei participou desta homenagem também. 

          Quando terminou a recepção, Andrei comentava com Endi da sua surpresa e admiração de tudo o que ele estava vivenciando, quando postou ao seu lado um índio transbordando força, vigor, com uma disposição de dar inveja a qualquer atleta e que interrompeu a sua conversa ao perguntar para Endi. 

          - Endi meu filho, quem é seu amigo? Perguntou Rudá com uma voz de trovão. 

          Andrei novamente admirado, não acreditava que aquele homem a pouco moribundo, agora imponente falava com altivez em pé ao seu lado. Rudá parecia mesmo o deus do amor. Sem perder nenhuma característica indígena, ele possuía uma beleza que o diferenciava de todos os demais. Apesar de aparentar uns 50 anos, guardava um porte físico atlético, uma beleza exuberante e todos seus gestos eram elegantes, sem perder jamais a imponência do guerreiro. 

          O jovem índio contou ao pai tudo o que aconteceu. Rudá olhou fixamente nos olhos de Andrei e assim falou: 

          - Guerreiro branco, foi o seu povo que tomou o que era meu de forma cruel, violenta e desonesta. O que Endi fez foi somente recuperar o que é meu por direito. Mas se ele prometeu lhe entregar o muiraquitã e a si mesmo para ser julgado por seu povo, depois que Inaiê voltar. É com o coração sangrando que eu lhe digo. Se ele deu sua palavra, ele irá cumpri-la! 

          - Creio nisto Rudá, pois senti que eu podia confiar em seu filho, desde o momento em que ele me contou toda sua história. 

          - Hoje é a primeira noite de lua cheia, ela está perto, eu sei! Inaiê está voltando para o nosso amor! 

          Andrei Lammert estava encantado com tudo o que viu, ouviu e viveu até ali, mas algumas coisas o inquietava: Uma delas era a loucura da lenda. Ele viu com seus próprios olhos a rápida e plena recuperação da saúde de Rudá em posse do muiraquitã, mas a volta de Inaiê... será que ela iria mesmo voltar para seu amado... será que existe um amor que transcende as barreiras do natural... será que há mesmo um amor maior que o risco da morte e da quebra das tradições... será que esta é uma história de amor que vai além da lenda...  

​

CAPÍTULO FINAL

​

          Passou a primeira noite de lua cheia e o sol raiou na aldeia. A rotina da tribo iniciou normalmente, Andrei acordou de um sono pesado, pois ainda não havia relaxado desde que saiu da capital carioca. Endi convidou o investigador para alimentar-se e participar de algumas atividades.  

          E chegou a segunda noite de lua cheia. Quando todos já estavam abrigados em suas ocas, Lammert que estava observando a noite, estrelada como nunca havia visto em toda sua vida, notou quando Rudá saiu da oca e adentrou na mata. 

          Depois de algum tempo, irrompeu o silêncio da noite um brado com som de trovão, que ecoava por toda floresta paralisando-a e declarando o seguinte: 

​

          Princesa das matas, beleza de inefável esplendor, da pele bronzeada pelo sol, que da lua és banhada de prata. Inaiê... vem me encontrar... 

          Rainha do meu amor, num momento de insanidade pensei, ser impossível novamente lhe declarar meus sentimentos. Mas você, que és o que tenho de mais precioso, meu sonho mais ambicioso, escolhida para ser minha, só minha. Que entre todas és a mais bela, faz nosso amor novamente gritar! Inaiê... vem me encontrar... 

Me desespero quando não vejo você ao meu lado. E na solidão vivo uma vida perdida, vivo desconsolado. Nosso tempo é curto. Compreendi somente agora, que nunca poderei lhe deixar. Daqui para frente onde você for eu vou. Com você viverei eternamente. Sem você, morrerei a cada instante. Inaiê... vem me encontrar... 

Fugiremos para além das águas mais profundas, para além dos limites deste mundo e viveremos um amor além da vida! Porque você é minha vida! Inaiê... vem me encontrar... 

 

          Enquanto Rudá bradava seu amor à beira de um lago, ele viu no espelho da lua, refletir a silhueta de uma mulher, que caminhava em sua direção. Ele correu ao seu encontro. Sem nada dizer, beijaram-se longamente. Tendo a lua e as estrelas como testemunha, amaram-se intensamente. O reflexo no lago tentava inutilmente imitar aquele louco e apaixonado amor, que perdurou por toda madrugada. O calor dos seus corpos, exalavam o mais puro e belo dos sentimentos em forma de perfume, numa sinfonia das emoções que formavam acordes maravilhosos. E aquela foi a mais linda das noites, que desabrochou num esplendoroso amanhecer. 

          Quando o sol raiou todos estavam reunidos na oca central. Grande foi a alegria manifestada ao verem Rudá e Inaiê juntos. 

          Andrei assistia a tudo impactado, parecia coisa de cinema, ver aquele bonito casal saindo da mata festejando seu amor. Inaiê aparentava uns 40 anos, entretanto sua formosura seria imortalizada se um artista pudesse retratá-la num quadro ou escultura, sua beleza era indescritível. A pele bronzeada, brilhava feito cobre reluzente, num corpo perfeitamente delineado. Seu rosto encantadoramente mágico, foi desenhado pelo próprio Criador, que o fez de forma muito generosa, adornando-o com um lindo cabelo negro, comprido e liso. 

          Houve um tempo de celebração com muitas danças, músicas e comidas. Ver o carinho e honra daquela tribo dedicada àquela família, ganhava cada vez mais a admiração de Lammert. 

          Andrei aproveitou então uma ocasião, aproximou-se e declarou ao casal: 

          - Eu preciso confessar algo. Desde a primeira vez em que ouvi falar da lenda do muiraquitã e da história de vocês, achei que era uma grande fantasia, uma verdadeira loucura. Mas deixei-me levar nesta doidera e tive o privilégio de tornar-me uma testemunha, não só de uma lenda, mas também da mais linda e fantástica história de amor que conheci! 

          Inaiê sorriu para Lammert e respondeu: 

          - Acreditamos, no que queremos acreditar! 

          Andrei ouviu, refletiu e disse: 

          - Nunca tinha pensado nisto. 

          Rudá com sua voz imponente de muitos tambores, acrescentou: 

          - A mesma verdade poderá ter várias faces. Depende da forma como a interpretamos. Nossa cultura, crença, experiências de vida, influenciarão nesta interpretação. 

          Novamente Andrei ouviu, refletiu e disse: 

          - Nunca esquecerei disto. 

          A celebração perdurou ainda por um tempo, e quando terminou, Andrei estava fora da oca central e viu quando                        Endi veio em sua direção e lhe falou: 

          - Vim cumprir nosso acordo! 

          Entregou-lhe o muiraquitã e estendeu os braços para Lammert de forma a permitir ser algemado.  

          Andrei pegou o muiraquitã e respondeu: 

          - Vou pegar minhas coisas. 

          Quando retornou, Endi, Rudá e Inaiê o aguardavam. Com um semblante de contemplação Lammert lhes disse: 

          - Acredito mesmo que o verdadeiro dono deste muiraquitã, é você Rudá! Mas preciso leva-lo de volta. Se vocês precisarem dele novamente, me procurem, farei todo possível para que tenham acesso a ele! Não levarei Endi, ele não é um ladrão, ele é guerreiro! Ademais não há prova de que foi ele quem pegou a peça do museu. E eu só consegui recuperar o amuleto. Falou com sorriso nos lábios.  

          - Inaiê não irá mais embora! Veio para ficar conosco! O muiraquitã já cumpriu sua finalidade! Você é um grande guerreiro branco. A justiça é sua bandeira e vejo que ela está cravada no seu peito! Respondeu Rudá. 

          Lammert virou-se para Endi e novamente lhe perguntou: 

          - Como você pegou o muiraquitã sem deixar nenhuma pista? 

          E novamente o jovem índio sorriu, e assim respondeu: 

          - É segredo, não exija isto de mim! 

          O investigador abraçou aquela família indígena e despediu-se dizendo: 

          - Maya Angelou declarou o seguinte: “Eu aprendi que as pessoas vão esquecer o que você disse, e vão esquecer o que você fez, mas nunca esquecerão como você as fez se sentir”. Eu nunca esquecerei como vocês, fizeram eu me sentir! Adeus! 

          Já no barco em pleno rio Amazonas, Andrei Lammert olhava fixo para a canoa que o trouxera até aquela embarcação, agora rumo á Belém; relembrava tudo o que viveu e aprendeu com aquele povo, que tão bem o acolheu e tanto lhe ensinou. E balançou lentamente a cabeça de forma afirmativa, ao recordar a frase do  Padre Antônio Vieira. “Uma árvore lhes basta para o necessário da vida: com folhas se cobrem, com frutos se sustentam, com ramos se armam, com os troncos se abrigam e sobre a casca navegam. ” 

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Valter Rocha  #contosqueemocionam

Contos que Emocionam

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© 2018 por Danilo Rocha. Criado orgulhosamente para o meu pai e melhor amigo.

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