
Meraki
CAPÍTULO 1
O hotel em que Isaiah estava hospedado na cidade carioca estava cheio nesta véspera do natal, no entanto, a lotação máxima era aguardada somente para o réveillon.
Ele apesar da jovialidade no auge dos seus dezenove anos, naquele dia aparentava ainda mais transtornado e irrequieto, passou o dia todo bebendo whisky, muito embora cerveja, vodca e vinho, fossem suas bebidas diárias preferidas. Apesar dele pouco se alimentar e quando o fazia era muito mal, nesta data ficou sem nenhum alimento. Por várias vezes foi até a piscina que fica na cobertura do hotel e na área destinada aos fumantes. Consumiu três maços de cigarros e implicou com alguns funcionários por motivos fúteis.
Mal humor e agressividade são apenas alguns dos adjetivos desse bonito moço. Moreno, magro, alto, com olhos cor de jade, cabelo liso com um moderno topete, mas triste, depressivo, incompreendido por familiares e amigos, impetuoso, inquieto, ansioso, impulsivo, irritadiço, implicante, desadequado. Calado, mas somente um ouvinte muito atento, poderia observar nas poucas palavras que saiam de sua boca, um tom sempre auto denegridor, com sentimento de culpa, sem sonhos e esperanças. Amante de atividades perigosas, amigo do álcool e do fumo, flertou com maconha e cocaína sem interesse em um relacionamento mais sério. Confidente do silêncio.
Era por volta das 20h quando Isaiah enviou uma mensagem simples, curta, objetiva de feliz natal para seus pais, pelo WhatsApp. O restaurante estava bonito, vazio e pronto para a ceia, apesar de ser o alvo do seu olhar perdido, nada ele via. Do bar com olhos fixos no restaurante, sorveu o último gole de whisky puro, empurrou o copo sobre o balcão, que quase caiu após deslizar suavemente. Levantou-se decidido, pegou o elevador com destino ao 14º andar, cobertura do hotel. Atravessou rapidamente pelo corredor, chegou ao pequeno bar em frente a piscina. O bar estava fechado e ele com atitudes firmes, planejadas, decididas, pegou um banco alto e o levou para o muro no fundo da área da piscina. Subiu no banco, apoiou se no muro, lançou a perna sobre este e quando ia fazer força para alcançar o topo, sentiu um puxão para trás por um braço forte que o agarrava na linha da cintura. Um estrondo forte seguiu a queda desequilibrada do rapaz e do segurança do hotel, chamando a atenção de uns poucos hóspedes que estavam no local. Levantarem-se vagarosamente, recuperando o fôlego suspenso no momento. Assustado, o segurança olhou firme para o rapaz e disse:
- Moço você está louco? O que ia fazer subindo neste muro? Se caísse do outro lado, a esta hora já estaria morto!
- Me perdoe. Era apenas uma brincadeira. Disse Isaiah sem exibir arrependimento.
Algumas pessoas perguntaram se eles estavam bem. Trouxeram-lhes água, mas não quiseram.
O segurança após certificar-se que ele estava bem, sem ferimentos, disse que precisaria relatar o ocorrido ao seu superior, perguntou-lhe o nome e o número de seu quarto. Com frieza, como nada houvesse acontecido, as respostas foram dadas ao salvador. Acompanhado por seu herói, que não ouviu em momento algum a palavra “obrigado”, Isaiah voltou para sua suíte.
Em seu quarto, pouco depois do ocorrido, ouviu a campainha. Era o chefe da segurança, que educadamente perguntou como o jovem estava e o que havia ocorrido. Fez mais algumas perguntas de praxe, agradeceu a atenção, desejou-lhe feliz natal e saiu.
Por perceber que as respostas foram evasivas e que o ocorrido foi uma tentativa clara de suicídio, o chefe da segurança orientou a todos seus subordinados para que não o importunassem, mas que ficassem com a atenção redobrada sobre o rapaz.
Após fechar a porta, Isaiah pegou uma cerveja no frigobar, ligou o televisor num canal qualquer, deitou-se em sua cama, desligou o celular e ficou ali pensativo. Era bem mais de meia noite quando a campainha do quarto tocou novamente. Era uma senhora, antiga funcionária do hotel, trazia num carrinho, uma bandeja repleta de iguarias de dar água na boca. Ao vê-lo a senhorinha sorriu encantadoramente e disse:
- Meu filho, imaginei que estava com fome e resolvi trazer-lhe algumas coisas, que tenho certeza que vai amar. Faça este carinho para uma velha, aceite e coma tudinho. É o meu feliz natal para você!
Um sorriso amarelo surgiu naquele rosto moreno, aceitando o carinhoso pedido. Logo que colocou a bandeja no aparador, voltou-se para a senhorinha, abraçou-a num gesto de gratidão e disse:
- Obrigado! Eu precisava mesmo comer, mas principalmente deste carinho. Feliz natal para a senhora também!
Comeu saboreando de tudo um pouco, voltou a deitar, até bem mais tarde pegar no sono.
Quando acordou, ligou o celular para ver a hora. Já era tarde, havia perdido o café da manhã e o almoço já estava acontecendo. Tomou um banho, trocou-se despretensiosamente e foi ao restaurante. Percorreu o buffet, escolheu poucos alimentos e buscou a mesa de canto mais afastada para ficar.
Com um olhar longínquo para a entrada do restaurante, Isaiah buscava se enxergar, encontrar onde se perdeu, mas somente a escuridão é o que se apresentava diante dele. Mas, de repente, aquele ambiente foi totalmente iluminado. E os olhos verdes que a muito estava perdido, agora permaneciam fixos naquela luz! A luz circundou o local sem que o jovem a perdesse de vista. Nada passava em sua mente, a não ser admiração por aquela luz, que iluminava tudo e a todos! O brilho que aquela luz emanava inexplicavelmente entrou em suas entranhas.
Surpreso ele ficou quando aquela luz veio em sua direção e lhe disse sorrindo:
CAPÍTULO 2
- Preciso desesperadamente almoçar na companhia de um gato simpático e descolado! Posso almoçar com você? Disse uma moça, segurando a bandeja com seu prato já pronto.
- Lógico! Respondeu ele sem pestanejar, mas rindo da abordagem direta e objetiva daquela jovem, que atraiu sua atenção desde o momento em que adentrou o salão.
- E qual é o nome desta gata simpática e descolada que precisa tanto de uma companhia? Perguntou ele, ainda rindo!
Agora foi a vez dela rir e responder:
- Sol. E você?
- Isaiah.
Como o rapaz observou todo trajeto dela, desde a entrada no restaurante até sentar-se em sua frente, estava deslumbrado com sua beleza, alta, magra, loira, cabelos compridos e lisos, pele branquinha, olhos azuis, deveria ter uns 25 anos e tinha muitas tatuagens pelo corpo. Levando-o a perguntar:
- Sol? É nome ou apelido?
- Nome.
- É um nome diferente. Você sabe o que significa?
- É um nome feminino que tem o mesmo significado da palavra. Respondeu ela. É mais comum encontrá-lo em países de língua portuguesa e espanhola. Gosto muito do meu nome, pelo fato dele apesar de pequeno, nos levar a um sentido simbólico de luz, grandeza, vida, força e calor.
- Por isto você tem um grande sol tatuado nas costas?
- Sim. Sorriu novamente ao responder e perguntar.
- Você notou?
- Notei quando você rodeava o buffet ao montar seu prato. Sua blusa nas costas deixa ele parcialmente à mostra. O que faz aqui? Continuou saciando sua curiosidade sobre aquela beldade com luz própria.
- Sou atriz e junto com meu grupo encerramos nesta semana a nossa temporada aqui. Agora estou aguardando alguns retornos para decidir para onde vou. Mas é certo que ficarei por aqui até o réveillon para descansar e passear um pouco, conhecer melhor a cidade maravilhosa. Sou gaúcha de Porto Alegre, como é a primeira vez que venho ao Rio quero aproveitar um pouco.
- Que pena que encerrou, disse com aspecto chateado, pois eu quero ver você atuando! Falou ele realmente interessado, e prosseguiu. Qual era a peça?
- Macário. Obra de Álvares de Azevedo.
- De que trata?
- É um drama que conta a história de Macário, um jovem que tem um encontro com o diabo!
- Que louco! Disse Isaiah com muito espanto. E sobre o que, eles tratam neste encontro?
- Basicamente sobre o amor e a morte. Respondeu ela olhando diretamente nos olhos do seu novo amigo.
Depois de um rápido instante pensativo, ele repetiu:
- Que pena que encerrou, pois eu quero ver você atuando! E queria ver também esta peça!
- Você pode ler o livro. Deu ela a sugestão.
- Isto resolve a questão sobre a obra, tema da peça, mas não resolve a questão de eu ver você atuando. Como podemos resolver este segundo impasse? Indagou num tom divertido.
- Para este impasse você terá que aguardar um pouco, pois como disse, estou aguardando alguns retornos para eu definir minha vida.
- O que você está lendo atualmente?
- Acabei de ler a pouco um conto: Encontro na Turquia, gostei muito e indico, agora vou ler os outros contos deste autor.
- Me passe, pois também fiquei interessado.
Imediatamente ele voltou a um semblante circunspecto e perguntou:
- Que personagem você interpretou na peça?
- A dona da taberna onde boa parte da trama se realiza.
- Sei que o personagem não tem nada a ver com a vida pessoal do ator, mas apenas por curiosidade, você tem uma religião?
- Não gosto de rótulos e religião para eu é um rótulo! Mas entendo o queres saber. Eu já fui monja budista!
- Monja budista! Repetiu Isaiah com esta outra surpresa.
Cada vez mais ele ficava interessado por aquela preciosidade que surgiu à sua frente. E ela continuou:
- Monja é o nome dado à mulher adepta do monasticismo feminino e existe em algumas religiões. No budismo, as mulheres consagradas à vida monástica são chamadas de bhikkhuni (Pāli).
- Pensei que isto era somente para homens? Questionou o moço.
- Em 1987, o Dalai Lama, que é líder religioso e político do Tibete, em exílio há mais de 50 anos na Índia, exigiu que a consagração completa das mulheres fosse retomada. Ele teve uma interessante experiência, quando numa determinada ocasião, pediu que a liderança da meditação fosse feita por uma monja. Ela então sugeriu que todos os participantes imaginassem que as imagens de Buda fossem todas femininas, que o próprio Dalai-Lama fosse uma mulher, que inclusive os monges superiores também fossem mulheres e ao contrário do que ocorria, elas fossem servidas pelos homens. E assim ela falou dos problemas das monjas, discriminações, falta de oportunidades e desenvolvimento. Quando ela terminou sua exposição, o Dalai-Lama pediu perdão chorando e reconheceu que nunca havia se conscientizado deste problema, decidindo a partir de então trabalhar para destacar a posição das mulheres no budismo tibetano.
Depois da explicação, tomou um gole de suco e disparou:
- Já falei um pouco sobre eu, mas agora quero saber um pouco sobre você.
CAPÍTULO 3
- Sou Paulistano. Faço faculdade de música. Sou guitarrista. E pratico Free Style Motocross, também conhecido como FMX, não é uma corrida, mas um torneio de saltos ornamentais nos quais motoqueiros fazem manobras para um júri.
- Cara isto não é muito perigoso?
- Para cada mil praticantes 1,8 morre. Com muita naturalidade ele deu a resposta.
- Que loucura! Agora foi a vez de Sol se espantar e seguiu. Você não tem medo de morrer?
- Não. - Disse com a mesma naturalidade, mas tratou de mudar o assunto. - Notei após você sentar-se aqui comigo, que tem uma palavra tatuada próximo ao seu ombro, mas não consigo ler, pois a alça do seu sutiã preto está a encobrir as letras centrais. O que está escrito?
- Meraki.
- O que significa? Mal ela terminou de falar, ele já a interpelou.
- Significa faça com a Alma! Respondeu Sol com brilho nos olhos. E prosseguiu. É uma palavra grega que significa fazer algo com paixão, fazer com a alma, criatividade e amor. Colocar parte de si em algo que está a fazer. Este é o meu estilo de vida! Meraki!
Isaiah a cada instante se interessava mais por sua nova amiga. E nem lembrava da melancolia que dominava sua vida. E indagou:
- Você deve ter muitos amigos?
- Tenho alguns, mas o meu jeito de ser também afasta muita gente. O bom é que, os poucos que restam, aceitam-me como sou! Precisamos sair do nosso quadrado, de padrões e paradigmas que nos impõem e que os aceitamos como absolutos, por isto é que adoro a música do Raul Seixas e me considero uma metamorfose ambulante!
- Você é uma pessoa muito interessante! Disse ele com entusiasmo.
- Todos somos interessantes. Precisamos aprender a buscar dentro de cada um, o diamante que todos trazem. Afirmou Sol e prosseguiu. Seu nome também é diferente. O que significa?
- Isaiah é um nome de origem hebraica, em português é comum encontrar como Isaias, que significa Yahweh é a salvação, Deus é a salvação.
- Você é cristão? Perguntou Sol apenas por curiosidade.
Isaiah ficou imediatamente com o semblante entristecido e abaixou a cabeça. Depois de um breve período de reflexão, levantou o rosto e respondeu:
- Minha família é. Eu durante toda minha infância e adolescência participei ativamente, mas quando decidi não aceitar uma função que me foi oferecida na igreja, meus pais reagiram contra minha atitude e tiraram os privilégios que eu dispunha em casa. Quem pensei que eram meus amigos... me esqueceram... afastaram-se de mim. A situação piorou quando decidi não ir mais na igreja.
Como Sol percebeu a mudança radical em sua expressão, não quis entristecê-lo e disse:
- Você não precisa falar sobre isto se não quiser. Disse ela, olhando empaticamente dentro daqueles olhos verdes. Mas se quiser falar, ouvirei com atenção e respeito! Muitos me julgam e me condenam, mas aprendi a não julgar ninguém e não julgo, tampouco condeno!
- Que bom ouvir isto! Até hoje, todos que me ouvem, me julgam e me condenam. Você é a primeira pessoa que quer me ouvir sem julgar. Quero falar sim!
Com abertura dada pelo moço, a loira questionou?
- E seus líderes da igreja, não lhe procuraram mais?
- Sol, como já foi dito: “O único exército que abandona os soldados feridos – A Igreja. ” Você só serve, se você serve! O apóstolo Paulo compara o cristão com um soldado, foi assim que aprendi, mas na prática, este exército deixa para trás abandonado os seus feridos de guerra. Quer tenham se ferido por causa do pecado, porque errou em alguma circunstância, por ter uma visão diferente ou ainda por não ter querido seguir uma determinada metodologia. Uma multidão de feridos foram, estão e estarão deixados para trás, porque a igreja está muito mais preocupada com os números de frequentadores, da conta corrente e da sua própria visão! Por isso decidi romper com esta religiosidade, metodologias e regras criadas por homens! - Desabafava o rapaz.
Terminaram de almoçar, sentaram no sofá do hall de entrada e a conversa fluía com naturalidade. Tanto que Sol sentiu-se confortável para aprofundar o assunto, e foi mais invasiva:
- E a sua família?
- Eles ficaram chateados comigo, quando deixei as atividades da igreja e principalmente quando parei de ir. Não compreenderam que eu ia somente por obrigação e que eu não via amor em nada daquilo. Para eu eram apenas reuniões enfadonhas destituídas de vida, com objetivos simplesmente numéricos e metodológicos.
Isaiah abria o coração como nunca o fez. E desnudava sua alma diante da moça que mal conhecia. E assim prosseguiu:
- E a situação piorou mesmo, quando decidi fazer faculdade de música ao invés de medicina, que é sonho do meu pai. Meu pai é médico cirurgião, apaixonado por sua profissão e eu ouvi a vida toda que eu também seria médico. Apesar de eu admirar e ter orgulho do profissional que meu pai é, nunca senti vontade de segui-lo nesta atividade. E desde então passei a ser ignorado por ele, nosso diálogo ficou truncado. Minha mãe é mais carinhosa, mas não aceita minhas decisões e enche-me com seus sermões e textos bíblicos.
- Como é que você se sente? Sol perguntou empaticamente.
- A paz que eu tinha, todos os valores e verdades que eu conhecia, isso mudou quando por diversas vezes fui muito ferido e desprezado. Ferido no peito, na alma. Isto tudo porque pensei diferente, tomei decisões fora do quadrado. Não me encaixei dentro de parâmetros criado por homens... Hoje quando olho no espelho, não me reconheço! O que restou deste cara? Não sei! Como Cazuza já registrou com sua voz “Pois aquele garoto que ia mudar o mundo. Agora assiste a tudo em cima do muro. Meus heróis morreram de overdose. Meus inimigos estão no poder. Ideologia. Eu quero uma pra viver. ” Rasguei meus sonhos, fiquei somente com a tristeza. Meu coração petrificou. Vivo simplesmente por viver, pois é como estar num eterno vazio. Perdi o medo da morte a ponto de desejá-la. Não consigo me imaginar sorrindo, sem esboçar a cicatriz da amargura.
- Você disse que perdeu o medo da morte a ponto de desejá-la. Foi isto que tentou ontem à noite?
- Como você sabe disto? Quem lhe contou? Perguntou ele surpreso.
CAPÍTULO 4
- Ninguém me contou nada. Eu estava lá e vi tudo. Eu estava próxima á piscina, conversando com uma amiga no celular, quando vi você passar apressado com o banco na mão, posicioná-lo ao lado do muro e subir. Fiquei intrigada com o que iria fazer, mas ainda bem que o segurança que tomava um café do lado oposto ao que eu estava, não ficou só pensando, foi atrás de você e imediatamente saltou para salvá-lo. Você passou tão rápido e focado, que nem viu o segurança discretamente num canto. Que bom que terminou assim, pois agora posso ser sua amiga!
Sorrindo o jovem colocou sua mão sobre a mão de Sol dando um carinhoso aperto. E perguntou:
- E quem é a minha amiga?
- Sua amiga é um animal livre, arisca, instintivamente decidida, sem rumo. Vou plagiá-lo disse sorrindo: Como Paula Toller já registrou com a voz: “Sou errada. Sou errante. Sempre na estrada. Sempre distante. Vou errando. Enquanto o tempo me deixar. ” E como você, também sou muitas vezes desprezada por pensar diferente e agir de forma diferente. Infelizmente ainda existem muitas pessoas que têm intolerância a tudo e a todos que pensam ou agem diferentemente deles. E daí decorre muita violência física e emocional. E as cicatrizes feitas na alma são mais difíceis de sumirem!
Isaiah além de sentir-se à vontade com Sol, percebeu que ele poderia aprender muito com ela e decidiu sugar tudo o que fosse possível.
- Sol o que é o medo para você?
- Não aceitação da incerteza, pois se a aceitamos, ela se torna aventura.
- Como você vê a dor?
- Ela tem sua finalidade, quando a compreendemos, ela irá nos aperfeiçoar. Caso contrário, ela irá nos despedaçar.
- E a raiva?
- Ela ocorre quando não aceitamos que alguma circunstância está fora do nosso controle. Porque quando aceitamos, nos tornamos tolerantes.
A cada resposta, ele digeria, refletia e depois inconscientemente fazia um gesto positivo com a cabeça, voltava a refletir e perguntava novamente:
- Sol. Inveja?
- Quando você aceita o bem de alguém, isto lhe trará inspiração, mas em contrapartida quando não aceita, isto é inveja.
- O que é o ódio?
- Quando não aceitamos as pessoas como elas são, isto é ódio. Mas Amor é quando aceitamos incondicionalmente elas como são.
- Sol estou pensando em tudo o que você me falou e isto tudo me leva a fazer a seguinte pergunta. O que é maturidade espiritual para você?
- Certa vez sobre isto eu ouvi o seguinte: “Maturidade espiritual é quando você para de mudar os outros e se concentra em mudar a si mesmo. Quando você aceita as pessoas como elas são. E que todos estão certos em sua própria perspectiva. Aprende a deixar ir. Quando você não gera expectativas em um relacionamento e se doa pelo bem de se doar. Quando você entende que o que você faz, o faz para a sua própria paz. Para de provar para o mundo o quanto inteligente você é. Quando você não busca aprovação dos outros. É quando você para de se comparar com os outros. É quando você está em paz consigo mesmo. É quando você é capaz de distinguir entre o precisar do querer e é capaz deixar ir o seu querer. É quando você para de anexar felicidade em coisas materiais. ”
A reação de Isaiah diante das respostas dadas era de aceitação. Aquele encontro estava fazendo-lhe muito bem. E em tom de brincadeira ele disparou:
- Você quer me converter ao budismo?
Ela riu, pois percebeu que ele disse isto para descontrair a conversa, mas respondeu de forma elucidativa:
- Em uma entrevista para a Revista Época o Dalai Lama disse que as religiões são muito relevantes, pois tratam com os problemas e o sofrimento humano. E que ele não tem interesse em converter pessoas ao budismo, por reconhecer que todas as diferentes tradições têm o mesmo potencial de ajudar a humanidade. Ele sempre achou errado tentar converter as pessoas, por entender que se ele tentar propagar o Dharma (a doutrina budista), e se os irmãos cristãos e muçulmanos fizerem o mesmo esforço para divulgar sua fé, pobres dos 6 bilhões de habitantes da Terra, pois seria um desastre. E ele ainda acrescentou que a paz e harmonia é o essencial, não o nome da religião que a pessoa aceita. Se o Brasil é um país de maioria cristã, que continue cristão. Se o Tibete ou a Mongólia são budistas, que permaneçam budistas, e que a Índia permaneça uma sociedade múltipla religiosa, porque seu maior interesse é promover os valores humanos. Isaiah é assim que ele pensa e eu concordo com ele! Concluiu a jovem.
- Realmente este ponto de vista é muito interessante! Quanto mais eu lhe ouço mais paradigmas eu quebro. Disse sem esconder o semblante de contentamento.
A conversa estava muito boa. Só que cada um deles precisavam resolver algumas coisas, desta forma, despediram-se e voltaram para seus quartos, mas acertaram para jantar juntos.
CAPÍTULO FINAL
No horário combinado os dois se reencontraram. Isaiah já estava no local, quando Sol radiantemente linda chegou. Após prepararem seus pratos, falaram alguns assuntos triviais, e logo Isaiah olhando fixamente para a moçoila, disse:
- Sol.… a sua atitude... a forma amorosa que me tratou... você sabia o que havia acontecido comigo e decidiu se aproximar, com o claro objetivo de ajudar-me, mas em nenhum momento me julgou e tampouco me condenou, mesmo eu estando errado... a visão que você tem da vida... e suas experiências, levaram-me a uma profunda reflexão...
Ela imediatamente interferiu no raciocínio dele.
- Isaiah... eu não lhe pedi nada, nem tampouco lhe exigi nada. Quero que saiba que se você acertar eu estarei contigo, mas se você errar eu também estarei contigo! Só não quero que você se mate! Falou expressando amor na forma delicada como usou as palavras.
Ele sorriu carinhosamente para ela e disse:
- Eu não esperaria outra atitude sua. Sei que você não me pediu nada. Eu é que reconheci muitas coisas. Estou arrependido da loucura que tentei fazer ontem à noite e por isso decidi, vou voltar para casa e me acertar com meus pais. Mesmo que eles não me entendam, vou entendê-los, eles me amam! Aprendi com você que não preciso concordar, mas preciso respeitar quem pensa ou age de forma diferente do que penso ou ajo. Não mais darei bola para os que me criticam. Vou passar a beber moderadamente. Passarei a valorizar minha vida e não a porei mais em perigo. Quando me sentir depressivo buscarei ajuda, não ficarei só.
- Fico feliz de saber que estas mudanças e atitudes estão partindo de você. Não importa onde eu esteja, manterei sempre contato contigo, portanto pode contar comigo amigo!
- Amanhã depois do café voltarei para São Paulo. Estou ansioso para contar tudo para meus pais e recomeçar minha vida. Mas antes eu vou procurar o segurança que me salvou e uma senhora copeira para agradecer-lhes o que fizeram comigo!
- Sol o que acha que eu preciso buscar manter nesta nova etapa da minha vida?
- Ter compaixão, gratidão, uma mente sempre aberta e confiante, paciência, consciência, disciplina, fé e impermanência.
- O que é impermanência?
- Muitas coisas que priorizamos nesta vida, na verdade são temporárias. Da mesma forma que vêm, vão. Nas muitas circunstâncias que a vida nos apresenta é muito provável que venhamos a experimentar ganhos, perdas e vários tipos de sentimentos. E isto tudo ocorre entre o nascermos sem absolutamente nada e o morrermos sem poder levar absolutamente nada. O que é a vida além de um momento, uma passagem que logo se dissipa, entre nosso nascimento e a nossa morte? Muitas vezes o que julgamos ser prioridade é na verdade temporário! Na vida tudo muda, as pessoas mudam e nós também mudamos!
Isaiah fez uma expressão introspectiva, enquanto parecia sugar cada gota daquelas palavras tão profundas para ele, enquanto a ex monja falava.
Ainda sobre isto, continuou Sol:
- Você já parou para pensar que no mundo, entre seus aproximadamente seis bilhões de habitantes, não existe nenhuma outra pessoa igual a você? Que entre a multidão que já existiu também não? E tampouco na multidão que ainda virá? Não, não existe, não existiu e também nunca existirá uma outra pessoa igual a você! Sabe porquê? Porque ninguém passou pelas mesmas exatas experiências que você passou e nem tampouco reagiram da mesmíssima forma que você reagiu, ou seja, você tem um histórico de vida ímpar, singular, que só você e mais ninguém experimentou. Assim como que é que eu e você podemos exigir que as pessoas pensem ou ajam exatamente como nós?
Apesar dos olhos fixos na amiga, era como se ele observasse seus próprios estados mentais, conscientizando-se deles, enquanto ela prosseguia.
-E quando você compreende essas coisas: a brevidade da vida; que devemos priorizar o que realmente precisa ser priorizado; a nossa diversidade e que tudo muda, inclusive a gente; a partir deste momento não haverá mais tempo para discussões, mágoas, nem tampouco investir energia e o limitado tempo que dispomos em coisas ou circunstâncias que não têm valor. Quer estejamos tratando da humanidade, de uma comunidade ou de apenas uma pessoa, o que verdadeiramente vai importar é a qualidade com que vamos interagir uns com os outros!
- Sol.… agora vejo como priorizei errado! Priorizei coisas que eu desejava, só que este desejo é insaciável, além de ter consumido o melhor do meu tempo e energia! E agora me pergunto: O que isto significou? E também esta questão de como as pessoas mudam inclusive a gente. Isto faz com que eu possa compreender melhor as pessoas e eu mesmo!
- Coloque-se sempre na posição de um eterno aprendiz. E nunca de senhor da verdade, pois quem sou eu ou você para dizermos que alguém está certo ou errado? Ainda temos muitas coisas para aprender nesta vida!
- Realmente preciso e vou mudar meu posicionamento diante de muitas coisas na minha vida. E quero que saiba que serei eternamente grato a você, pelo grande benefício que me proporcionou.
Algumas mudanças já podiam ser notadas nele: bom humor, mansidão, alegria, animação, meiguice, imperturbável, despreocupado, sensato, tranquilo, simpático, ajustado e mais extrovertido. E da sua boca já saiam palavras de aceitação, sem sentimento de culpa, esboçando sonhos e esperanças. Aquela luz que Isaiah viu entrar no restaurante no horário do almoço verdadeiramente iluminou sua vida.
Terminaram o jantar, trocaram seus contatos e despediram-se emocionadamente. Deixaram claro que aquela amizade que ali começou iria perdurar. Beijaram-se no rosto e abraçaram-se longamente. Sol olhou bem dentro dos olhos de Isaiah e disse:
- Fica bem. Desejo-lhe uma feliz vida e que você se torne espiritualmente amadurecido para ela! Você deve isto para si mesmo e para mais ninguém!
Sorrindo, ele piscou para ela e respondeu:
- Daqui para a frente viverei um novo estilo de vida: Meraki!
Valter Rocha #contosqueemocionam



